António Pedro Costa, Universidade de Aveiro (Portugal)
Investigador do Centro de Investigação em Didática e Tecnologia na Formação de Formadores (CIDTFF), Departamento de Educação e de Psicologia, da Universidade de Aveiro e colaborador do Laboratório de Inteligência Artificial e Ciência de Computadores (LIACC), da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto.
Quando abordamos um chatbot sobre a relação da Inteligência Artificial com a Análise de Dados Qualitativos, o mesmo refere que é importante ressalvar que a Inteligência Artificial não pode substituir completamente a análise humana de dados qualitativos. A interpretação e a compreensão de dados qualitativos dependem, em grande medida, do contexto e da experiência (background) do investigador. Por outro lado, até ao surgimento das primeiras ferramentas de apoio à análise de dados, os designados CAQDAS (Computer-Assisted Qualitative Data Analysis Software), o investigador realizava muito trabalho manual, desde a definição, codificação e recodificação das categorias, entre outros. Usava cores (recurso transferido e explorado ainda pelos atuais pacotes de software) para mais facilmente identificar as unidades de análise associadas a determinada categoria. O trabalho intelectual era bastante focado na vertente inferencial e interpretativa, porém, limitado por aquilo que conseguia fazer manualmente. A maioria dos estudos eram “meramente” descritivos, apresentando como resultados as sínteses das unidades de texto codificadas em cada categoria. Sendo este tipo de análise muito focada no processo, permitia que o investigador se envolvesse com os dados, extraindo-lhes significado e sentido, fazendo ligação com o seu referencial teórico. A colaboração encontrava barreiras geográficas e envolver dois investigadores, por exemplo, na codificação dos dados, nem sempre era possível e, quando o era, a comparação dos dados codificados era um trabalho árduo, podendo dizer-se, quase impossível de realizar. Na maioria dos procedimentos, bastante demorados, a possibilidade de ocorrerem erros era bastante comum. Transcrever entrevistas exigia a astúcia do investigador, para que o processo não fosse mais demorado do que o esperado.
Atualmente, ainda muitos investigadores fazem a sua análise de dados sem o uso de qualquer ferramenta digital. É possível fazê-lo? Sim, é possível. É do interesse da investigação e do investigador executá-lo manualmente? O panorama atual quase nos compele a recorrer a este tipo de soluções. As ferramentas evoluíram e automatizaram muitos procedimentos. Desde transcrições, codificações, outputs, quase tudo pode e está a ser automatizado. Será que o investigador está preparado para gerir tal avanço? Sendo a análise de dados qualitativos orientada para os processos e procedimentos, em que medida a Inteligência Artificial será uma mais-valia para esta área do conhecimento? Os dilemas são idênticos aos dos anos 80, quando Cuilenburg, Kleinnijenhuis & Ridder (1988) já antecipavam como a Inteligência Artificial beneficiaria a análise de dados qualitativos. Estes autores referiam que a técnica de análise de conteúdo implicava tarefas aborrecidas e que os computadores poderiam facilitar algumas delas, essencialmente, na fase de codificação. Brent (1984) afirmava que a análise de dados qualitativos implica uma série de tarefas monótonas e demoradas, das quais a maioria dos investigadores gostaria de escapar. Mesmo o investigador qualitativo mais consciente, rapidamente começa a pensar que tais procedimentos não são um uso económico do seu tempo. No entanto, essas tarefas exigem fundamentos teóricos sustentados e, portanto, são difíceis, se não impossíveis, de delegar a terceiros e, deduzo, também a um pacote de software.
Os CAQDAS apresentam-se como soluções inovadoras no apoio à análise de dados qualitativos. Os utilizadores, na sua maioria, percecionam que não necessitam de realizar leituras que permitam estabelecer os seus marcos teóricos conceptuais metodológicos… o software dará a resposta necessária.
A IA é um ramo da ciência da computação que lida com a simulação de comportamento inteligente em computadores, partindo do pressuposto que uma máquina tem a capacidade de imitar o comportamento humano inteligente. Em 1950, o britânico Alan Turing criou um teste com o objetivo de determinar se uma máquina é capaz de exibir comportamento inteligente indistinguível do comportamento humano. O teste de Turing é realizado da seguinte forma: um avaliador humano faz perguntas a dois participantes escondidos da sua visão, um ser humano e uma máquina. O objetivo é descobrir qual é a máquina e qual é o ser humano com base nas respostas dadas às perguntas. Se o avaliador não puder distinguir a máquina do ser humano, então a máquina é considerada como tendo passado no teste. O teste tornou-se um marco importante no desenvolvimento da inteligência artificial e tem sido amplamente discutido e criticado desde então. Embora o teste tenha sido questionado pela sua simplicidade e limitações, continua a ser uma referência importante no campo da inteligência artificial.
Existem várias vantagens em ter uma web semântica e incorporar processos de automação e inteligência artificial na codificação de dados em pacotes de software de análise qualitativa (Costa & Minayo, 2018).
Os mesmos autores reforçam que pode aumentar significativamente a velocidade, o rigor e a produtividade do processo de análise, o que pode ser especialmente benéfico ao lidar com um grande volume de dados. Os processos automatizados podem codificar dados não numéricos e não estruturados de forma célere e precisa, tornando a análise mais eficiente e confiável. Isso pode economizar o tempo e os recursos dos investigadores, permitindo que se concentrem em tarefas de nível cognitivo superior, como interpretação e contextualização dos dados. Além disso, pode melhorar a qualidade e a consistência do processo de codificação. Os “codificadores humanos” podem introduzir vieses e inconsistências no processo de codificação, o que pode levar a erros e imprecisões. A automação e a inteligência artificial podem eliminar esses problemas, fornecendo resultados mais precisos e confiáveis.
A incorporação de automação e inteligência artificial no processo de análise pode fornecer novas perspectivas e insights que podem não ser percetíveis para os “codificadores humanos”. No entanto, é importante observar que estes processos de automação e inteligência artificial não são destinados a substituir os investigadores, mas sim a complementar e a melhorar o seu trabalho. Embora a automação possa ajudar no processo de codificação inicial, os investigadores “humanos” ainda são necessários para validar e auditar os resultados. Além disso, todas as etapas de inferência, síntese, determinação de implicações e contextualização ainda dependerão do fator humano (Costa & Minayo, 2018). Podemos afirmar, portanto, que o uso da automação e inteligência artificial na análise de dados qualitativos deve ser visto como uma ferramenta para ajudar dos investigadores nos seus projetos, em vez de um substituto da sua expertise.
Referências
Brent, E. (1984). Qualitative computing: Approaches and issues. Qualitative Sociology, 7(1–2), 34–60. https://doi.org/10.1007/BF00987106
Costa, A. P., & Minayo, M. C. de S. (2018). O que podemos esperar da análise de dados qualitativos suportada por software? In M. A. Kalinke, M. A. V. Bicudo, & V. S. Kluth (Eds.), Atas do V Seminário Internacional de Pesquisa e Estudos Qualitativos. SE&PQ. https://sepq.org.br/eventos/vsipeq/documentos/P866236/50
Cuilenburg, J. J. van, Kleinnijenhuis, J., & Ridder, J. A. (1988). Artificial intelligence and content analysis – Problems of and strategies for computer text analysis. Quality and Quantity, 22(1), 65–97. https://doi.org/10.1007/BF00430638