A análise de dados usando um software pode fornecer rigor?

A análise de dados usando um software pode fornecer rigor?

Ludomedia QNOW Análise de Dados usando software

António Pedro Costa, Universidade de Aveiro (Portugal)

Inúmeras soluções tecnológicas têm surgido para apoiar os investigadores em quase todas as fases dos projetos de Investigação. De forma geral, o uso destas ferramentas dá mais agilidade, completude, possibilitando trabalhar um volume extenso de dados de forma organizada e bastante coerente. A Investigação Qualitativa tem beneficiado do enorme progresso em termos de métodos e técnicas com uso intensivo de tecnologia. As atuais exigências do contexto investigativo compelem cada vez mais os investigadores a apetrecharem-se de ferramentas digitais que proporcionem agilização e eficiência nos seus processos de investigação. Independentemente da natureza da investigação, o investigador, ao recorrer às ferramentas digitais, procura assegurar que os dados por si recolhidos sejam analisados de forma criteriosa, rigorosa e sistemática, gerindo mais eficazmente o tempo despendido e aumentando a fiabilidade dos resultados obtidos (Baugh, Hallcom and Harris, 2010).

Diferentes campos de aplicação exploram ferramentas de apoio à análise de dados qualitativos, os designados Computer-Assisted Qualitative Data Analysis Software (CAQDAS) ou Qualitative Data Analysis Software (QDAS) como é o caso do software webQDA (2019) – webqda.net. O simples uso de um CAQDAS não garante o rigor que o investigador deve preconizar. Independentemente do uso do software, o investigador deve definir as questões de investigação e respetivos objetivos, desenvolver o método, bem como as técnicas de recolha e de análise de dados. Posteriormente, deve procurar o CAQDAS que melhor se adequa ao seu projeto de investigação. A visualização da estrutura, a leitura das funcionalidades disponibilizadas, a experimentação de um CAQDAS, permitem que o investigador menos experiente compreenda as diferentes fases da análise de dados qualitativos. Esta preocupação em escolher “a melhor ferramenta” é uma decisão que se refletirá no resultado final da análise de dados.

Nesta configuração, o webQDA permite explorar, direta ou indiretamente, técnicas de validação, como por exemplo:

  • Técnica de Delphi: baseada no princípio de que as previsões de um grupo estruturado de especialistas são mais precisas se comparadas às provenientes de grupos não estruturados ou individuais. Cada elemento é, assim, isolado da influência dos restantes (devem ser especialistas);
  • Krippendorff’s alfa:  coeficiente alfa de Krippendorff é uma medida estatística do acordo alcançado ao codificar um conjunto de unidades de análise em termos dos valores de uma variável/atributo;
  • Kappa de Cohen: coeficiente Kappa de Cohen é uma estatística usada para medir a confiabilidade entre avaliadores de itens qualitativos. Considera-se geralmente uma medida mais robusta do que o simples cálculo percentual de concordância, pois κ leva em consideração a possibilidade de a concordância ocorrer por acaso.

Podendo ser aplicado às três técnicas descritas, Creswell & Miller (2000) afirmam que quando se procede a um trabalho de codificação, inicialmente não se deve esperar obter mais de 70% de concordância. Idealmente, ambos os acordos intra e intercodificador deveriam ficar próximos dos 90%, mas tal situação é difícil de concretizar.  Léssard-Herbert, Boutin & Goyette (1990) afirmam que a procura de validação sincrónica pode tornar-se muito estimulante para o investigador, já que o obriga à reflexão sobre o facto de os resultados ligeiramente diferentes poderem ser simultaneamente verdadeiros. Embora este processo de intercodificação possa ser considerado redutor, pois deixa na sombra parte da riqueza da informação, este tipo de análise é insubstituível ao nível da validação (Bardin, 2004). Como já defendia Vala nos anos 80, qualquer conteúdo é suscetível de interpretações diversas, dependendo dos analistas, ou seja, dois codificadores ao analisarem o mesmo material chegam certamente a resultados diferentes (1989). Este aspeto faz parte da natureza da própria investigação qualitativa.

Neste enquadramento, quando envolvemos peritos para validar o modelo de categorias, não corroboramos o que os autores Gibbs, Friese, & Mangabeira (2002) afirmam: que os CAQDAS são menos úteis para abordar questões de validade e confiabilidade nas ideias temáticas que emergem durante a análise de dados.

Uma outra dimensão do rigor do trabalho realizado online passa pela integridade do investigador. O mesmo recolhe, valida e analisa dados online, transfere e partilha informação, envolve diferentes intervenientes em diferentes momentos do seu estudo. Esta flexibilidade e facilidade nas ações do utilizador leva-o, frequentemente, a ignorar os passos metodológicos definidos. Pode sempre ajustá-los face a alguns constrangimentos e limitações que tenham emergido ao longo do estudo. Isto implica um pacto ético consigo e com os demais envolvidos.

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